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Dividida, Venezuela mantém-se calma após semana tensa:
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, logo após fazer seu juramento na Assembleia Nacional, em Caracas, nesta sexta-feira (19) (Foto: Gil Montano/AP)
Maduro, aos 50 anos o herdeiro político de Hugo Chávez, sentiu o gosto amargo da vitória logo após a contagem dos votos, na noite de domingo, 14. Ele subiu ao palanque para falar a seus seguidores, que estavam decepcionados com o resultado das urnas. Maduro se explicou por alguns minutos. Pediu que seu adversário não fosse prepotente e defendeu paz e união nacional. Maduro vencera as eleições, mas comportava-se como vencedor contido, quase um derrotado. Sua eleição colocou a Venezuela em uma crise política que lança ainda mais dúvidas sobre o futuro do país nos estertores do chavismo. O resultado apertado, em que Maduro ficou apenas 1,7 ponto percentual à frente do oposicionista Henrique Capriles, deixou o quadro político do país ainda mais incerto do que era antes.
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Chávez , morto em fevereiro, disputou quatro eleições para presidente. Em cada uma delas tinha mais votos do que a anterior. Maduro acabou com essa tendência. Teve cerca de 700 mil votos a menos do que Chávez no pleito de 2012. No contexto eleitoral da Venezuela, não ganhar de goleada foi quase o equivalente a uma derrota para Maduro. Ele tinha a seu favor a máquina governamental e a comoção popular pela morte Chávez , em decorrência de um câncer. Durante a campanha, usou e abusou da figura mítica do padrinho político. Utilização que teve seu auge quando disse ter se comunicado por assobios com Chávez, numa aparição depois da morte do ex-presidente transmutado em passarinho.
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Ex-motorista de ônibus, ex-sindicalista, ex-deputado e ex-chanceler, Maduro estava certo da vitória sobre o advogado Capriles, de 40 anos. De origem abastada – sua família é proprietária de meios de comunicação, imobiliárias e de uma cadeia de cinema -, o oposicionista, governador do Estado de Miranda, tentou afastar sua imagem da desgastada oposição que organizou um golpe de Estado em 2002. Apresentou-se como progressista e modernizador. Contra o “socialismo do século XXI” chavista, pregou capitalismo com preocupação social e citou como modelo o ex-presidente Lula (que, por sua vez, declarou apoio público a Maduro).
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Nas eleições presidenciais de outubro do ano passado, Capriles perdeu para Chávez por 11 pontos. Contra Maduro, que não tinha o carisma e a popularidade de Chávez, a diferença caiu para 1,7 ponto. Cerca de 265 mil votos. Transportando-se o número para o tamanho do Brasil, seria como se um candidato ganhasse do outro por 1,8 milhão de votos – algo como a população de Recife e Campina Grande somadas. Em 2010, Dilma Rousseff recebeu 11 milhões de votos a mais do que o tucano José Serra.
Na Venezuela, o problema não foi só a diferença apertada. O que agravou a situação é que Capriles já havia denunciado indícios de uma série de irregularidades antes do final da apuração. Afirmou, por exemplo, que as autoridades eleitorais, em sua maioria chavistas, estavam permitindo que pessoas votassem após o horário permitido, o que seria uma tentativa desesperada dos governistas de se manter no poder.
Capriles pediu ainda no domingo a recontagem de todos os votos. Manifestações tomaram o país na terça-feira e acabaram com oito mortos e dezenas de feridos. Partidários de Maduro e Capriles culparam uns aos outros. Os Estados Unidos e a Organização dos Estados Americanos (OEA) apoiaram a recontagem dos votos. Os vizinhos latino-americanos – Dilma incluída – reconheceram a vitória de Maduro. Capriles suspendeu uma manifestação que estava prevista para evitar mais violência, e Maduro aceitou a recontagem dos votos.
No final da noite de quinta-feira, o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela anunciou que fará uma auditoria na votação. Na Venezuela, a urna eletrônica imprime o voto do eleitor, que o coloca em uma urna física. Na recontagem, que deve durar um mês, serão cotejados os votos impressos com os do sistema eletrônico.
Como boa parte das acusações de Capriles se refere à forma como pessoas foram supostamente coagidas a votar em Maduro, os governistas contam que o resultado numérico auditado não será diferente do que já foi divulgado.
Se essa previsão se confirmar, Maduro poderá sair fortalecido ao não ter mais contestada a sua legitimidade. No entanto, terá ganhado apenas sua primeira batalha como presidente da Venezuela – talvez a mais fácil delas. Há outras.
A primeira será política: domar as Forças Armadas e os diferentes grupos dentro chavismo sem o mesmo carisma e respaldo político de Chávez. Na quinta-feira, o jornal El Nacional publicou que 11 militares foram detidos por supostamente atuarem em prol de Capriles. Entre eles, dois generais – a maior patente militar. “Chávez logo acumulou tanto poder e consolidou de tal forma sua liderança carismática que se converteu em um muro de contenção para todos os diversos grupos de poder que compõem o chavismo”, diz o cientista político Miguel Ángel Martínez Meucci, da Universidade Simón Bolívar. “Maduro não tem essa capacidade. Ele é apenas um representante de uma das facções de poder, e outros chavistas importantes se consideram mais capacitados que ele para dirigir o país”, afirma.
A segunda e, talvez, mais complicada tarefa do presidente eleito da Venezuela será dar um jeito na economia. Não se trata de lidar com questões que comovem apenas economistas. São problemas que atingem diretamente o cotidiano das pessoas. Um deles é o desabastecimento. Atualmente, falta algum produto básico em cerca de 20% dos estabelecimentos oficiais da região de Caracas. A escassez é causada em grande parte pela dependência externa. A Venezuela importa boa parte dos alimentos que consome.
O outro nó econômico é a inflação, agravada pela desvalorização do Bolívar em 32% apenas neste ano. No Brasil, há atualmente uma preocupação, justificada, com uma taxa de inflação de 6,6% nos últimos 12 meses. Na Venezuela, o percentual é quase o quádruplo. No país de Maduro e Capriles, os preços hoje na estão em média 25% mais caros do que há um ano.
Durante quase todo o período de Chávez foi assim. Não houve preocupação em atacar a inflação. Os problemas econômicos, no entanto, eram compensados pela renda do petróleo, revertida para programas sociais. O uso da PDVSA, a estatal petroleira, para fazer política social ajudou a reduzir a pobreza na Venezuela, mas também inibiu o investimento em áreas de inovação e prospecção da própria empresa. Muitos profissionais deixaram a empresa. Essa política “petropopulista”, nas palavras dos detratores de Chávez, resultou na queda da produção de petróleo no país. Durante os anos Chávez, isso foi compensado por uma elevação exponencial do preço do barril. Mas recentemente esses preços caíram. “Os tempos de vacas gordas, com um crescimento do preço do petróleo maior do que a nossa inflação, parecem ter ficado no passado”, afirma o economista Angel García Banchs, diretor da consultoria Econométrica.
A situação já virou motivo de piada. Quando o resultado da eleição foi proclamado, a manchete do site de sátiras “El Chigüire Bipolar” foi: “Maduro eleito Responsável pela Crise Econômica para o período 2013-2019”.
Outro desafio é a violência em alta. A Venezuela tem atualmente um índice de homicídios que é o dobro do Brasil: 56 a cada 100 mil habitantes.
O placar apertado da eleição indica que Maduro não terá a condescendência da população para lidar com os problemas. O acirramento de seu confronto com Capriles após o resultado das urnas pode fortalecer a união dos chavistas ou precipitar sua fragmentação. A iniciativa de Capriles de pedir a recontagem dos votos pode tanto fortalecê-lo como líder de uma oposição que passou muito tempo fragmentada como desmoralizá-lo. A posse de Nicolás Maduro nesta sexta-feira foi só o começo. Os problemas da Venezuela atualmente são maiores e mais preocupantes.