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A saga da construção do estádio mais caro da Copa do Mundo

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A saga da construção do estádio mais caro da Copa do Mundo:

Capa - Edição 781 (Foto: Montagem sobre foto Shutterstock)
Capa da edição 781 de ÉPOCA (Foto: Montagem sobre foto Shutterstock)

Em ÉPOCA desta semana, duas reportagens abordam nossa cultura de atrasos em obras públicas. Uma relata por que a construção do Estádio Mané Garrincha, em Brasília, é uma das empreitadas mais delirantes já feitas com dinheiro público no Brasil. Outra investiga as principais causas do não cumprimento de prazos nos projetos públicos no país.
Leia abaixo um trecho da reportagem sobre o Estádio Mané Garrincha:   
CAPÍTULO 1

O projeto 


Em dezembro de 2006, o arquiteto Eduardo de Castro Mello descobriu pela TV que o Brasil seria candidato à sede da Copa de 2014. “A candidatura do Brasil é legítima e tem o apoio de todas as Federações da América do Sul”, disse Ricardo Teixeira, então presidente da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF. “O presidente Lula já deu repetidas vezes prova de que será um agente fundamental para a realização da Copa do Mundo. E a iniciativa privada dará a resposta, que, tenho certeza, será positiva.” O plano inicial de Teixeira, como vendido ao público, desenhava o melhor dos mundos para o Brasil: o país, se escolhido sede da Copa, receberia um dos maiores eventos esportivos do planeta – e não pagaria nada por isso. “Não vai ter dinheiro público”, disse Teixeira.
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Dias depois, Castro Mello ligou para o recém-eleito governador do Distrito Federal e companheiro de outras empreitadas, José Roberto Arruda. Eles se conheciam desde a construção do antigo Estádio Mané Garrincha, nos tempos em que Arruda era fiscal da Novacap, a empresa de obras do governo de Brasília. “José Roberto, é hora de retomarmos o projeto do estádio, que está parado no tempo”, disse Castro Mello. O Mané Garrincha nascera da megalomania do regime militar. As obras do “Brasil Grande” do general Emílio Garrastazu Médici, então presidente do país e um apaixonado por futebol, erguiam-se em Brasília também. O Mané Garrincha, um estádio olímpico para 140 mil pessoas, viria a integrar o complexo esportivo Médici, no centro de Brasília, que incluiria ainda um ginásio e um autódromo. Todas obras superlativas, pagas com dinheiro público – e para lá de questionáveis em termos estéticos, financeiros ou urbanísticos. O projeto do estádio coube ao escritório da família de Castro Mello, cujo pai, Ícaro, tinha experiência na construção de estádios em São Paulo. Em 1974, após um ano de obras aceleradas, o estádio foi inaugurado às pressas. Somente uma parte do anel superior ficara pronta. Isso conferia ao estádio um aspecto banguela – daí a observação de Castro Mello de que o Mané estava “parado no tempo”.

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NÚMEROS O estádio Mané Garrincha, em Brasília, na semana passada. Ele será inaugurado com cinco meses de atraso – e com o dobro do custo previsto no orçamento  (Foto: Celso Junior/ÉPOCA)NÚMEROS

O estádio Mané Garrincha, em Brasília, na semana passada. Ele será inaugurado com cinco meses de atraso – e com o dobro do custo previsto no orçamento (Foto: Celso Junior/ÉPOCA)
Cabiam no banguela 42 mil pessoas, capacidade mais que suficiente para atender o público de clássicos como Planalto e Jaguar ou do time da gráfica do Senado contra o Coenge, um combinado dos servidores do governo de Brasília. A capital federal sempre viveu o futebol pela TV, torcendo pelos times grandes do Rio de Janeiro e de São Paulo. “Recentemente, Brasília contribuiu para a menor renda mundial verificada num campeonato, quando apenas um torcedor compareceu para assistir a uma partida final de um torneio local (Grêmio Brasiliense 2 x 1 Coenge)”, disse o então presidente da Federação Desportiva de Brasília, Wilson de Andrade, pouco antes da construção do Mané Garrincha. Ele afirmou que havia estádios inacabados na capital e que os poucos times locais não tinham torcedores nem sequer dinheiro para pagar a conta de luz. Esse estado de coisas lastimável não mudaria com o novo estádio. Logo se quebrou a promessa, feita pelo governo de Brasília, de continuar a construção dos demais anéis. Quebrou-se também a promessa, feita pela CBD, antigo nome da CBF, de promover no novo estádio jogos dos grandes times do país. Com os anos, o Mané Garrincha e suas linhas interrompidas tornaram-se apenas um elemento fora do lugar no desenho curvo da paisagem de Brasília.
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O tempo voltou a andar para o Mané no começo de janeiro de 2007, quando Arruda recebeu, em seu gabinete no Palácio do Buriti, o arquiteto Castro Mello. Do Buriti, Arruda e Castro Mello avistavam, pela janela, a silhueta do inacabado Mané, a menos de 1 quilômetro. “Apresentei um pré-estudo, e, depois de 20 minutos de reunião, ele anunciou que Brasília seria a sede da Copa, e eu o autor do novo Mané Garrincha”, disse Castro Mello numa tarde de março deste ano, ao lado do filho, Vicente, também arquiteto, terceira geração da família a desenhar o Mané. Eles estavam numa sala de reuniões no pequeno prédio que abriga a administração do novo Mané, rebatizado mais uma vez. (De Estádio Hélio Prates da Silveira, passara a se chamar Mané Garrincha em 1983, logo após a morte do jogador.) Agora, passaria a se chamar Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha. Na antessala, acarpetada de verde-grama do chão ao teto, uma maquete de 4 metros quadrados materializava o projeto do novo estádio. Um vídeo institucional repetia na tela LCD os números grandiosos da obra. Faltava um número especial: R$ 1,5 bilhão – o custo, até aquele momento, do estádio mais caro da Copa (o orçamento inicial era de aproximadamente R$ 697 milhões). “Não interessa se é o mais caro, é o melhor”, disse Castro Mello. Ele assegurava que o novo Mané “colocará Brasília no mapa”. “Tem de quebrar o ovo para fazer a omelete.” Atrás da sala onde perorava, erguia-se, quase pronta, a colossal omelete de 1 quilômetro de diâmetro, cercada por 288 pilares de 36 metros de altura.



Qualquer aspecto do estádio envolve números hiperbólicos. Em sua construção, trabalharam cerca de 6 mil pessoas. Empregaram-se 177.000 metros cúbicos de concreto na obra – mais do que nas Petronas Towers, as torres gêmeas de Kuala Lumpur, na Malásia, que estão entre os prédios mais altos do mundo. A cobertura é um espetáculo de tecnologia: 9.100 placas captam energia solar para transformá-la em 2,4 megawatts de energia, suficientes para abastecer o estádio e mais 2 mil casas da cidade. Haverá 8.420 vagas de estacionamento, 22 elevadores, 50 rampas e 12 vestiários.



Naquele momento, em março, a omelete já estava bem atrasada. Tudo atrasou na construção do Mané, como atrasou, ressalte-se, nos demais estádios da Copa. A licitação atrasou. O início das obras atrasou. O estádio deveria ficar pronto em dezembro do ano passado. Não ficou. O novo prazo da Fifa encerrava-se em abril. O governador de Brasília, Agnelo Queiroz, marcou a inauguração para o aniversário da capital, em 21 de abril. Parecia um prazo impossível de cumprir. Chove muito em Brasília nesse período. Agnelo desafiou as previsões pessimistas – e perdeu. Seis dias antes do prazo, Agnelo adiou a inauguração para 18 de maio, menos de um mês antes da abertura da Copa das Confederações, quando o Mané receberá o jogo do Brasil contra o Japão. O governo de Brasília argumenta que as obras não estão atrasadas. “Estamos oito meses adiantados”, afirma Cláudio Monteiro, secretário da Copa do Distrito Federal. O calendário de Monteiro é peculiar: estabelece que o estádio só deveria ficar pronto em dezembro, para ser usado na Copa do Mundo.



Portanto, se não houver mais um adiamento, no próximo sábado – quatro décadas após o inesquecível clássico de um só espectador entre Grêmio Brasiliense e Coenge –, o novo Mané, aquele estádio que parara no tempo, será finalmente reaberto. A ocasião é especial: final do Candangão, como é conhecido o campeonato brasiliense de futebol. Em campo, em vez de Grêmio Brasiliense e Coenge, Brasília contra Brasiliense.
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