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Nova hipótese defende que o bocejo ocorre para resfriar o cérebro e que o número de bocejos depende da temperatura do ambiente: é maior quando faz mais calor.
Por: Cássio Leite Vieira
Publicado em 24/06/2014 | Atualizado em 24/06/2014
Cercado de mistérios e com diversas hipóteses explicativas, o bocejo é um ato corriqueiro: os seres humanos bocejam cerca de 240 mil vezes ao longo da vida. (imagem: Autorretrato, Joseph Ducreux/ Wikimedia Commons – CC BY-SA 3.0)
O tema deste mês pode parecer sem importância e corriqueiro. Corriqueiro, sim – afinal, bocejamos cerca de 240 mil vezes ao longo da vida. Mas, sem importância, não: o assunto é cercado de mistérios e tem várias hipóteses explicativas. Agora, surgiu mais uma: boceja-se para baixar a temperatura do cérebro – o que é, sem dúvida, boa desculpa para quando o fenômeno ocorre em um momento inconveniente.
Liderada por Andrew Gallup, da Universidade do Estado de Nova York, em Oneonta (EUA), a equipe de pesquisadores austríacos e norte-americanos partiu para testar resultado anterior: o número de bocejos depende da temperatura do ambiente. Naquele estudo – feito em uma zona quente e árida dos EUA –, notou-se que o nível de ‘contágio’ aumenta com o aumento da temperatura externa, mas começa a decair à medida que a temperatura externa se aproxima da corporal (cerca de 37ºC).
Mas faltava ver o que acontecia a temperaturas muito baixas, próximas de zero celsius. No experimento – agora feito em Viena –, os pesquisadores mostraram 18 imagens de gente bocejando para 120 transeuntes, escolhidos ao acaso, no inverno (cerca de 1,5ºC) e no verão (cerca de 20ºC).
Ao final, os resultados mostraram o que já se esperava: o bocejo contagiante foi “significativamente mais baixo no inverno do que no verão” (18,3% versus 41,7%). Os resultados comparando os dois estudos estão publicados em Physiology & Behavior(10/05/14).
Analisados todos os outros possíveis fatores que poderiam influenciar no experimento, os pesquisadores afirmam que apenas um fator consegue explicar os resultados: a temperatura
Resumindo: o número de bocejos obedece a uma janela de temperatura. Portanto: i) quando está muito frio, são poucos bocejos, pois não há necessidade de refrigerar o cérebro ou corre-se o risco de esfriá-lo muito, o que pode ser perigoso; ii) à medida que a temperatura do ambiente vai subindo, o número de bocejos vai aumentando, pois agora é preciso refrigerar o cérebro; iii) quando a temperatura externa começa a se aproximar daquela do corpo (37ºC) ou a ultrapassa, o número de bocejos cai bruscamente, pois “respirar um ar que está mais quente que a temperatura do corpo pode ser contraproducente. De forma condizente com essa afirmação, vemos que a frequência de bocejos diminui nessas temperaturas”, explicou Gallup para a CH.
Analisados todos os outros possíveis fatores que poderiam influenciar no experimento (sexo, idade, temperatura, umidade, horário, horas de sono etc.), os pesquisadores afirmam que apenas um fator consegue explicar os resultados: a temperatura.
A partir disso, os autores lançaram a seguinte hipótese: “O mecanismo subjacente para os bocejos em humanos, tanto o espontâneo quanto o contagiante, parece estar envolvido com a termorregulação cerebral”, escrevem eles na sinopse do artigo.
Alerta!
Membros da equipe já haviam estudado o bocejo em ratos e periquitos – sim, periquitos também bocejam –, por exemplo. E todos esses dados, segundo os pesquisadores, corroboram a hipótese de que se boceja para refrigerar o cérebro.
E o mecanismo básico da refrigeração é o seguinte. Em entrevista para um sítio norte-americano (WebMed), Gallup – que participou dos dois estudos – explica: i) para bocejar, é preciso abrir a boca, e isso aumenta o fluxo de sangue para o pescoço, a face e a cabeça; ii) a respiração mais profunda no bocejo força para baixo tanto o líquido espinhal quanto o sangue do cérebro; iii) o ar mais frio que penetra a boca ajuda a ‘roubar’ calor do sangue dessas regiões e desses líquidos e, consequentemente, resfria o cérebro.
Bocejar, explicou Gallup para o sítio, faz o papel de um radiador – como aqueles presentes nos veículos –, tirando o sangue quente do cérebro e introduzindo um mais frio, vindo dos pulmões. Estudos anteriores já haviam mostrado que, quando se respira pelo nariz – o que é mais eficiente para resfriar o cérebro – ou se põe algo frio na testa, boceja-se menos.
Mas por que esfriar o cérebro? Há evidências de que o órgão funciona de forma mais eficiente a baixas temperaturas. E isso tem a ver com um estado mais alerta. “O bocejo de contágio poderia, portanto, coordenar um estado mais alerta em um grupo e, desse modo, aumentar o estado geral de vigilância do grupo”, escreveram os autores. Ou seja, o bocejo combateria o sono em vez de ser um indicativo (ou promotor) dele, como o senso comum indica.
Entre espécies
Há evidências de que o bocejo contagiante ocorra também em vários vertebrados sociais. E que o contágio pode ocorrer entre espécies, como entre humanos e cães.
As batidas do coração podem aumentar em 30% em um bocejo
A hipótese do resfriamento cerebral será a palavra final sobre o misterioso bocejo? É, por enquanto, só um bom candidato a explicar o fenômeno e terá que rivalizar com outras hipóteses – algumas, é verdade, enfraquecidas ou desacreditadas. A saber: i) bocejar teria uma função social, de criar empatia em membros de um grupo; ii) serviria para oxigenar o cérebro – esta ainda do século 19 e hoje em desuso; iii) para mostrar os dentes e intimidar adversários (idem); iv) para demonstrar tédio e cansaço (a mais convencional). E há outras, menos famosas.
Fetos com 11 semanas já bocejam. E as batidas do coração podem aumentar em 30% em um bocejo. Tartarugas, peixes, pássaros, crocodilos... bocejam.
Cássio Leite Vieira
Ciência Hoje/ RJ
Texto originalmente publicado na CH 315 (junho de 2014). Clique aqui para acessar uma versão resumida da revista.